sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Milagre de Natal

A gente já estava chamando a atenção do supermercado inteiro com aquela barulheira toda. Pudera. Em seis, com a ansiedade gritando por estarmos fazendo nossa primeira compra para casa, era difícil não ser alvo dos olhares assustados de senhores e senhoras que enchiam o carrinho de uvas passas e bolos de Natal.

Faltavam poucos dias. Acho que uns cinco ou seis. O suficiente para nos animar mais ainda.

Primeiro Natal com neve.

Pena que não foi assim. Nem tudo foi do jeito que a gente planejou naquela viagem. A começar pelo dinheiro.

- Leva mil dólares, dá fácil para um mês lá. Aí você arranja um emprego - fácil também - e começa a se manter.

Até parece. Mas estávamos indo. Cada um dando seu jeito, apertando onde podia, deixando de beber uma ou outra cervejinha no fim da tarde, depois de bater perna o dia todo atrás de oportunidades. Àquele momento, tudo já estava encaminhado. Alguns ainda não tinham recebido o primeiro salário, outros nem haviam começado, mas era questão de tempo.

Ali, no mercado, iam-se embora mais alguns pares de dólar. Tudo bem, estava todo mundo sonhando com aquele momento. Parecia um milagre que tudo tinha dado certo, no fim das contas. A casa estava alugada (era para seis, moravam 12), a cerveja já estava na geladeira (curiosamente, no posto era mais barato) e até a lareira tinha sido acesa horas antes (coisa de brasileiro). Faltava só pagar a conta.

Dividindo por seis, deu pouco mais de 10 paus pra cada. Nada, nada, era uma grana pra gente. Mas tinha ir. Um a um, jogamos as notas e moeda no caixa, enquanto a moça simpática ia contando tudo.

- Faltam 12 dólares. Sorriu.

- Calma, gente, acho que tenho aqui, tô contando minha parte.

Lorena já se desesperou, falando em português com a atendente que fez cara de paisagem. Faltava só ela pagar.

A senhora atrás olhava curiosa. Esbocei um "I'm sorry". Pavor de achar que estou sempre atrapalhando. De moedinha em moedinha, Lorena conseguiu. Juntou com suor os 12 dólares e entregou para a moça que ainda mantinha o sorriso. A senhora continuava olhando.

Na porta da saída, Lorena quase chorou. Tava difícil, não era praquilo que tínhamos viajado tão longe. Todo mundo se abraçou. Era brega, mas era só a gente. Ela resolveu ligar para casa, a saudade bate mais forte nessas horas.

Papo vai, papo vem, a gente sentado brincando com a neve que estava no chão, esperando. De frente ao telefone público dava pra ver a senhora que estava atrás na fila vindo em nossa direção. Xiiii, lá vem bronca.

Ela passa pela gente sem falar nada, mas vira para Lorena. Ignora que ela está com o fone em uma das mãos e segura na outra. Aperta com força, diz alguma coisa que ninguém consegue entender. Do outro lado da linha a mãe grita mais alto, achando que a ligação caiu. A filha, ainda atônita, com uma nota de cinquenta dólares na mão só consegue responder, enquanto os flocos brancos começam a cair novamente:

- Acabei de ter um milagre de Natal.

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